2 de dezembro de 2008

Escrevi uma carta ao meu filho


Escrevi uma carta ao meu filho. E? Perguntar-me-ão… Nada especial, se o meu filho não tivesse cinco anos e a história não merecesse uma reflexão perante a sua reacção. Aliás, a mesma que eu fiz e me levantou algumas perguntas ou, se calhar, levantou o véu sobre algumas dúvidas. Se há coisa que o meu filho adora é ir ao correio. Quando chega a casa galopa a relva e vai buscar as cartas, como sempre fez até ao dia em que me perguntou: “Pai, porque é que nunca há cartas para mim?” Nesse dia resolvi então escrever-lhe. Não eu mas uma terceira pessoa. E a carta lá lhe foi endereçada. Quando a recebeu o misto era de alegria e estupefacção. A carta era do carteiro e perguntava-lhe se estava bem, dizendo-lhe, ao mesmo tempo, que sabia que era “um menino responsável” e que todos os dias era sua tarefa recolher a correspondência. Passou-se talvez uma semana e, quando voltei a entrar com ele em casa, correu e disse-me: “Pai já chegaram as nossas cartas”, apesar de não haver nenhuma para ele.
Apercebi-me da sua súbita mudança de discurso. O acto revelava agora um sentimento de pertença, quase uma cumplicidade de partilha e naturalmente um reforço simbólico por força de um acto tão banal.
Achei tão curiosa esta mudança comportamental ao nível do reforço do sentimento de pertença - logo do envolvimento, do commitment na perspectiva organizacional - que atrevi-me a extrapolar o exemplo para o seio desse mesmo tecido organizacional.
E perguntei-me quando gestores já escreveram cartas aos seus colaboradores, quadros, funcionários, e por aí fora? Cartas que não espelhem características funcionais ou metas atingíveis da organização, mas que sejam simplesmente cartas de enquadramento do elo humano, conferindo-lhe personalidade e isolando-o da massa amorfa que constitui o capital humano da empresa. Quantos já revelaram esta preocupação em vez de estarem preocupados com exaustivos programas de incentivos baseados em exaustivos programas de igual cumprimento exaustivo de objectivos ou por análise de exaustivas grelhas de avaliação.
A generosidade é a característica mais distintiva da liderança. Não a generosidade manifestada, mas a implícita, que reflecte um grau mais elevado de commitment no seio da organização porque, para além daquele que resulta naturalmente da cultura da empresa, acresce a mais-valia de commitment individual, do indivíduo per si. Reflexo talvez daquele reforço positivo que, muitas vezes, um gesto singelo, como uma carta, um elogio, um reconhecimento à margem “da esfera formatada de actuação” pode traduzir.
Um gesto simples, às vezes do banal quotidiano, mas sobretudo humano.
Como pais costumamos dizer que acima de tudo estão os nossos filhos… Então porque é que acima das organizações não estão as pessoas? E quando assim não é, a resposta está à vista. Afinal, donde resulta a crise financeira internacional que estamos a viver?


Crônicas da Frontline