11 de junho de 2008

Quo Vadis Lex?

Quem acompanha o mercado dos serviços legais em Portugal começou, de repente e num curto espaço de tempo, a confrontar-se com um fenómeno novo que subverte todo aquilo que conhecemos dentro das mais elementares lógicas comunicacionais, como se tivesse instalado algum pânico entre os mais representativos players do sector.
Esta alegada voragem comunicacional perdeu sentido e pode tornar-se apenas numa luta de visibilidade. São rankings repisados atrás de rankings, são números sem expressão de quem cresceu mais ou tem mais advogados, são contratações, não deixando espaço para a afirmação de competências, de doutrina, de boas práticas.
E esta mesma voragem pode contaminar a própria comunicação social, já escassa neste domínio, por força de ser cobiçada numa disputa de muitos protagonistas, o que em nada ajuda a esfera reputacional de um sector para quem a Comunicação se torna cada vez mais vital e dos media para quem a maturidade comunicacional do sector jurídico é fundamental para o seu crescimento editorial neste domínio.
Aliás, não deixa de ser curioso que assistimos entre nós precisamente a práticas que contradizem tudo o que é hoje a doutrina de marketing e comunicação dos mercados mais maduros, quer nos EUA, quer na própria Europa, como é o exemplo de uma Inglaterra, uma Irlanda ou até mesmo de uma França.
O que intrigadamente continua por explicar é este aparente pânico. Ou porque muitos receiam que um novo paradigma esteja iminente, fruto de muitas e talvez já antecipadas alterações estruturais, política, económicas e sociais, que a sociedade portuguesa vai ter de enfrentar ou porque simplesmente não estão preparados para fazê-lo de outra maneira.
Mas, a ser assim, também aqui se abre um novo círculo de oportunidades para quem tem competências (estratégicas e comunicacionais) desenvolvidas nesta área.

Crônicas do OJE

10 de junho de 2008

A mão que embala o berço

Para o comum dos mortais, que afinal somos todos nós, se há prática que entrou definitivamente no nosso quotidiano foi a da proclamada Responsabilidade Social. De facto, nunca ouvimos falar tanto “do compromisso de envolvimento das empresas com a comunidade” pese embora nunca tenhamos percebido bem se esta é, de facto, hoje, uma exigência real por parte dos múltiplos públicos (stakeholders) que agregam o denominado “ambiente” onde as empresas desenvolvem a sua actividade.
O conceito de Responsabilidade Social que, por definição, obriga a um criar uma esfera de actuação com múltiplas vertentes (Visão, Sustentabilidade, Comunidade, Colaboradores, etc.) é recente, pese embora os seus movimentos mais estruturados possam ser situados em exemplos como a criação do “bilan social”, em 1972, em França, ou o pacote instrumental do “Corporate Report” em 1975, no Reino Unido.
Aliás, neste domínio é interessante ler uma caracterização de Responsabilidade Social estruturada nas suas quatro características intrínsecas, com estão definidas num dos principais suportes de informação brasileiros sobe esta temática (responsabilidadesocial.com):
Plural – As contas não são prestadas apenas aos accionistas mas a uma multiplicidade de públicos com base num diálogo participativo que aumenta a legitimidade social;
Distributiva - A responsabilidade social nos negócios é um conceito que se aplica a toda a cadeia produtiva;
Sustentável - Responsabilidade social anda de mãos dadas com o conceito de desenvolvimento sustentável;
Transparente – A globalização exige critérios de transparência, aferindo a performance das empresas em múltiplos domínios.
Mas, mesmo assim, ainda hoje continuamos a assistir a muitos conceitos agregados à responsabilidade social, como práticas de marketing social, ou apenas um aproveitamento estrito de acções de promoção de produtos “colados” a causas sócias, com intuitos meramente de marketing e reforço de branding, o que acaba por gerar apenas mais instabilidade na adopção destes princípios na dimensão corporativa.
Não está em causa a legitimidade de muitas acções desenvolvidas pelas mais variadas empresas e dentro de alguns eixos de actuação que atrás referi. Não me causa complexo que uma empresa X aumente a venda dos seus produtos se conseguir deste modo concretizar um projecto que tem impacto num determinado grupo. Dou aqui apenas um exemplo, o caso do que a Swatch tem feito em Portugal ao desenvolver projectos como a Ajuda de Berço ou a Casa do Gil. Não só de louvar como de incentivar.
Só que, como diz o povo, há que separar claramente as águas. Uma coisa não invalida a outra. Mas a responsabilidade social corporativa tem de ser uma exigência inabalável nas nossas sociedades actuais, como elemento diferenciador no tecido empresarial, permitindo-nos, fundamentalmente à luz do desenvolvimento sustentável, premiar aquelas empresas que queremos que acompanhem o nosso futuro. É também claro hoje que muitas instituições já anteciparam esta realidade e procuram responder, de forma rigorosa, ao que será um factor crítico de sustentabilidade e competitividade do seu negócio num futuro que já é próximo.
Mas a questão da Responsabilidade social levanta-nos um problema maior: onde cabe a responsabilidade individual neste quadro? Como produzimos empresas responsáveis se deixamos o indivíduo ao abandono?
Tracemos aqui um exemplo. Imaginem uma clínica privada que, respondendo às exigências da Responsabilidade Social, resolve dedicar um dia por mês a prestar consultas médicas gratuitas às pessoas carenciadas da comunidade em que está inserida. Mas imaginemos que uma elevada taxa de profissionais dessa mesma clínica são pessoas mal preparadas, quer do ponto de vista médico, quer nos seus valores éticos e morais. Assim sendo, o que pretendia ser uma resposta efectiva e real para um grupo carenciado acabava por se tornar num mau serviço prestado à comunidade, mesmo sob a “capa” da referida Responsabilidade Social.
E é precisamente aqui que reside um factor crítico: a imposição do objectivo colectivo (leia-se instituição) esquecendo o referencial individual, os seus valores, credos, aspirações... E se este mesmo colectivo resulta, na agregação da sua cultura, valores e missão, da soma das vontades individuais, então este aparente consentido desprezo é um caminho perigoso.
Como inverter esta tendência? Certamente que não há formas miraculosas mas felizmente existem muitos bons exemplos nas práticas de gestão actuais. Só que o caminho tem de ser encetado mais cedo. E a este propósito cito aqui um excelente exemplo de boas práticas neste domínio com que recentemente me confrontei. Trata-se do Prémio Infante D. Henrique, um programa de educação para a cidadania destinado a jovens dos 14 aos 25 anos e que se desenvolve em diversas áreas de actividade. Existe suficiente informação disponível pelo que não vou fazer aqui uma explicação exaustiva do mesmo. Apenas reter um ponto curioso e que deve merecer reflexão. Este prémio é a extensão, em Portugal, do“International Award for Young People - The Duke of Edinburgh’s Award”, fundado em 1956, em Inglaterra, pelo Duque de Edimburgo. Sendo um complemento à educação académica, o objectivo do programa é o desenvolvimento pessoal e social, assim como a formação de jovens, através de uma ocupação sadia dos tempos livres e já envolveu, até hoje, mais de seis milhões de jovens, em várias vertentes, que vão desde o apoio à comunidade até as intervenções ambientais. Que revela então daqui? Apenas um estudo recente desenvolvido pela United learning Trust, uma importante organização britânica dedicada ao ensino, que inquiriu um conjunto de grandes empresas, (representando 12% do número de trabalhadores do sector público e privado em toda a Grã-Bretanha) sobre os requisitos e características que são determinantes na hora de seleccionar e recrutar candidatos. Dos 28 itens considerados por ordem de importância, o primeiro factor determinante na contratação foi precisamente o facto de os jovens terem frequentado o The Duke of Edinburgh’s Award.

Os ingleses não descobriram nenhuma fórmula mágica. Terão talvez apenas consciência que, para embalar o berço da Responsabilidade Social das suas corporações, será melhor terem também uma “mão responsável”.
Crônicas da Frontline

A Ambientocracia ou o Triunfo do Mal


Há um dias atrás, imerso numa brutal carga informativa sobre matéria ambiental e tentando refugiar-me numa curta pausa lúdica face à continuada agressividade televisiva, repesquei José Bénitez entre as minhas leituras e lembrei-me de uma afirmação curiosa da sua autoria: “a Bíblia é a maior fraude da História e São Paulo o génio do Marketing, pois Jesus Cristo nunca pretendeu fundar uma Igreja”. O contexto é a sua obra Operação Cavalo de Tróia, cujo enredo se desenvolve em torno de uma alegada operação secreta da Força Aérea dos EUA que transportou dois astronautas numa viagem ao passado, à Palestina de Jesus de Nazaré, onde um deles, Jasão, se tornou a testemunha ocular da Vida do Filho do Homem.
Não será certamente estranho que os livros de Bénitez tenham causado incómodo na secular instituição Igreja, apesar de algumas das suas ideias se cruzarem com muitas actuais teses de investigação histórica que, in extremis, nos levam sempre à mesma (simples) interrogação crucial: e se as coisas não tivessem sido mesmo assim?
Sem qualquer interpretação teológica ou juízo de valor, o que Bénitez nos diz é que uma instituição orientada para um objectivo próprio consagrou como Verdade a sua interpretação “manipulada” dos acontecimentos e, construindo uma poderosa teia de comunicação, conseguiu fazê-la perdurar por mais de 2000 anos. Do estrito ponto de vista da comunicação é, de facto, paradoxal quando hoje olhamos para a força desta Verdade baseada em fontes de discutível credibilidade, sujeita a critérios de uniformização (a que actualmente chamamos coerência na comunicação) e assente numa poderosa network de disseminação através de um dos seus mais poderosos instrumentos, a Palavra.
É evidente que falta aqui o pano de fundo, o Referencial, que estrutura o conjunto de valores, crenças, medos e aspirações onde toda esta Verdade se move. É o plano oposto ao Profano, logo do domínio de uma forte carga simbólica que, enraizado na natureza humana, na dualidade da incerteza do seu destino, leva a que os valores da Fé cimentem o que é espalhado pela Palavra. Hoje assumimos que o excesso de informação leva naturalmente a um processo de aculturação e que este inibe a nossa capacidade de reacção individual, aumentando a dependência da memória colectiva que suporta os comportamentos de grupo. E a memória colectiva tem duas faces distintas. Se, por um lado, é um reforço fundamental na afirmação da identidade (de um povo, de uma causa, de uma instituição) é, por outro, terreno fértil para afirmação de práticas doutrinais, mesmo que estas sejam ou conduzam a efeitos perversos.
Este exercício não é gratuito. Resulta, sim, de uma evidência que me perturba cada vez que procuro fugir da armadilha noticiosa que se instalou à volta das questões ambientais. De repente, vejo emergir uma dimensão simbólica, estruturando um referencial por oposição ao Profano: O ambiente é hoje uma luta entre “o bem e o mal”. O vazio da incerteza é preenchido pela ameaça constante ao futuro das gerações vindouras. Milhares de organizações espalham a Palavra, sem que a profundidade científica da sua mensagem esteja necessariamente presente. Já vi causas intocáveis na sua legitimidade resultarem em práticas nefastas e de consequências imprevisíveis. E, cada vez mais, vejo a nossa frágil democracia a abrir caminho para uma Ambientocracia, quando julgávamos todos os outros males já expurgados.


Crônicas da Frontline