10 de junho de 2008

A Ambientocracia ou o Triunfo do Mal


Há um dias atrás, imerso numa brutal carga informativa sobre matéria ambiental e tentando refugiar-me numa curta pausa lúdica face à continuada agressividade televisiva, repesquei José Bénitez entre as minhas leituras e lembrei-me de uma afirmação curiosa da sua autoria: “a Bíblia é a maior fraude da História e São Paulo o génio do Marketing, pois Jesus Cristo nunca pretendeu fundar uma Igreja”. O contexto é a sua obra Operação Cavalo de Tróia, cujo enredo se desenvolve em torno de uma alegada operação secreta da Força Aérea dos EUA que transportou dois astronautas numa viagem ao passado, à Palestina de Jesus de Nazaré, onde um deles, Jasão, se tornou a testemunha ocular da Vida do Filho do Homem.
Não será certamente estranho que os livros de Bénitez tenham causado incómodo na secular instituição Igreja, apesar de algumas das suas ideias se cruzarem com muitas actuais teses de investigação histórica que, in extremis, nos levam sempre à mesma (simples) interrogação crucial: e se as coisas não tivessem sido mesmo assim?
Sem qualquer interpretação teológica ou juízo de valor, o que Bénitez nos diz é que uma instituição orientada para um objectivo próprio consagrou como Verdade a sua interpretação “manipulada” dos acontecimentos e, construindo uma poderosa teia de comunicação, conseguiu fazê-la perdurar por mais de 2000 anos. Do estrito ponto de vista da comunicação é, de facto, paradoxal quando hoje olhamos para a força desta Verdade baseada em fontes de discutível credibilidade, sujeita a critérios de uniformização (a que actualmente chamamos coerência na comunicação) e assente numa poderosa network de disseminação através de um dos seus mais poderosos instrumentos, a Palavra.
É evidente que falta aqui o pano de fundo, o Referencial, que estrutura o conjunto de valores, crenças, medos e aspirações onde toda esta Verdade se move. É o plano oposto ao Profano, logo do domínio de uma forte carga simbólica que, enraizado na natureza humana, na dualidade da incerteza do seu destino, leva a que os valores da Fé cimentem o que é espalhado pela Palavra. Hoje assumimos que o excesso de informação leva naturalmente a um processo de aculturação e que este inibe a nossa capacidade de reacção individual, aumentando a dependência da memória colectiva que suporta os comportamentos de grupo. E a memória colectiva tem duas faces distintas. Se, por um lado, é um reforço fundamental na afirmação da identidade (de um povo, de uma causa, de uma instituição) é, por outro, terreno fértil para afirmação de práticas doutrinais, mesmo que estas sejam ou conduzam a efeitos perversos.
Este exercício não é gratuito. Resulta, sim, de uma evidência que me perturba cada vez que procuro fugir da armadilha noticiosa que se instalou à volta das questões ambientais. De repente, vejo emergir uma dimensão simbólica, estruturando um referencial por oposição ao Profano: O ambiente é hoje uma luta entre “o bem e o mal”. O vazio da incerteza é preenchido pela ameaça constante ao futuro das gerações vindouras. Milhares de organizações espalham a Palavra, sem que a profundidade científica da sua mensagem esteja necessariamente presente. Já vi causas intocáveis na sua legitimidade resultarem em práticas nefastas e de consequências imprevisíveis. E, cada vez mais, vejo a nossa frágil democracia a abrir caminho para uma Ambientocracia, quando julgávamos todos os outros males já expurgados.


Crônicas da Frontline

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