11 de agosto de 2008

Os Gormiti


Em uma ilha distante, em um tempo distante, começa a história dos Gormiti…

Os Gormiti. Para a maioria das pessoas o tema certamente não diz nada. A mim diz muito. Vivo com eles dia a dia, pelo bem e pelo mal. Mas afinal quem são os Gormiti? Um povo simpático e pacífico que vivia na Ilha de Gorm até um dia ter sido assombrado pelo mal. O mal personificado pelo seu Senhor e os seus lacaios, os homens lava, que apenas sobreviviam devorando as almas das pobres criaturas subjugadas. Mas, como em tudo e após séculos de subjugação, o mal virou-se contra ele próprio. Sem almas para se alimentar, sem inimigos para lutar, o Poder enfraqueceu e Magor retirou-se para a sua montanha, deixando atrás de si um terreno estéril e sem vida.
Quem conhece bem a história dos Gormiti e dos seus povos é o meu filho que tem cinco anos. É o lado mágico do seu universo de encantar que felizmente também me contaminou. Passei a ver o Panda e o Cartoon em vez da SIC ou outros canais. Voltei, mesmo na fantasia, a descer ao mundo real, por oposição ao universo de percepções construídas com que somos violentados diariamente pelos Media, muitas vezes com objectivos pouco recomendáveis, onde tudo é permitido em nome da “suprema liberdade” de informar. Voltei ao Jardim Zoológico, por oposição a qualquer Zoo virtual. Voltei aos tempos de infância, em que a minha mãe ficava preocupada se me visse chegar a casa “limpinho e arrumadinho” e não todo sujo e desgrenhado. Era sinal que não tinha estado a brincar. Vi com agrado o anúncio televisivo da Skip em que quase apela “aos pais para deixarem os filhos sujarem-se”. Ao que nós chegámos…
Mas os Gormiti também me trouxeram a uma nova realidade e esta bem mais nefasta, a qual infelizmente terei mais tarde de explicar ao meu filho. Na saga do mal, o velho sábio (porque felizmente há sempre um) esperou, século após século, que o Poder de Magor se corrompesse. E a chama da vida permitiu-lhe dar uma nova vida à civilização Gormiti. Assim quatro novos povos nasceram, o do Ar, o do Mar, o da Terra e o da Floresta e os seus líderes eram poderosos, gentis – mas sem memória do passado – dispostos agora a tudo sacrificar pelos seus povos.
Mas o Senhor do Mal estava apenas a recuperar forças. Desta vez não enviou só os seus exércitos, enviou algo mais poderoso, a suspeição. Os quatro povos, outrora amigos, já não só combatiam o invasor, lutavam entre si. Sem razão que soubessem ou sem passado que justificasse, pois as sua memórias tinham sido apagadas. Tudo foi “construído” no mundo das percepções e depois foi só deixar a embriaguês do Poder funcionar. Mas não só… a grande ajuda também veio da ascensão dos incompetentes transformados em pequenos líderes, pois estes nada têm de provar, apenas conseguir um espaço afirmativo na esfera das percepções construídas para conseguirem triunfar.
Se disser ao meu filho que Portugal é um País de Gormitis, agora ele ainda vai achar graça. Se daqui a vinte anos ele ainda encontrar um País de Gormitis o sinónimo será desgraça…


Crônicas da Frontline

Currahee ou uma lição de Liderança






Band of Brothers é uma soberba lição de história e talvez um dos mais marcantes documentos fílmicos sobre a II Guerra Mundial. Mas é simultaneamente um magistral tratado doutrinário sobre Liderança. Seis décadas volvidas valeria a pena que muitas empresas portuguesas oferecessem a serie produzida por Steven Spileberg e Tom Hanks aos seus executivos, em vez de andarem a desperdiçar dinheiro em coachings ou outras acções dispersas.

“Um bom líder tem de compreender os seus subordinados, tem de compreender as suas necessidades, os seus anseios e a sua forma de pensar…ele saltava para o desconhecido. Nunca punha a hipótese de não ir à frente ou mandar alguém no lugar dele. Não sei como sobreviveu, mas sobreviveu”. Este é o relato verdadeiro de um dos sobreviventes da Companhia Easy, da 101ª Divisão Aerotransportada dos Estados Unidos, que foi largada atrás das linhas inimigas a 6 de Junho de 1944,o dia D, ao falar sobre o seu comandante Richard Winters.
A Easy, tornou-se uma mítica força de combate na II Guerra Mundial, desde que abandonou a sua base em Camp Toccoa com destino a Normandia, até à tomada do Ninho da Águia de Hitler, nos Alpes em Berchtesgaden. A tale of ordinary men who did extraordinary things foi o mote de Spilberg e Hanks para produzirem a série televisiva Band of Brothers que relata a história da Companhia Easy e dos seus homens, baseada no livro de Stephen Ambrose e nos testemunhos dos seus sobreviventes, que aparecem retratados na série em entrevistas e depoimentos.
Mas Band of Brothers não é só talvez um dos mais marcantes documentos fílmicos sobre a II Guerra Mundial. Analisado noutra perspectiva, oferece-nos um magistral tratado doutrinário sobre A LIDERANÇA e não sobre liderança. Mais curioso quando percebemos que passaram mais de 60 anos e o paradigma retratado não mudou. Mais preocupante quando percebemos que esta ainda é uma realidade distante em Portugal.
Nessa mesma perspectiva, Currahee, a tortuosa colina adjacente à base de treino dos pára-quedistas, em Camp Toccoa – three miles up, three miles down – encerra uma dupla carga simbólica: construiu e cimentou o sentimento de pertença do grupo e tornou-se, em simultâneo, o símbolo dos homens do Regimento e da Companhia Easy. Porquê? Porque fica muito claro da lição que se retira da Easy que a sua eficácia em combate, resultou de uma poderosa combinação de fortes lideranças a todos os níveis na escala da organização. Uma liderança afirmada em condições limite, quando se definem patamares de objectivos, mas cujo limite inferior desses mesmos objectivos significa sempre perdas e, neste caso, de vidas humanas. É curioso de observar como a teia de progressão psicológica de todos os soldados da companhia reflecte sempre nas suas acções a preservação da boa liderança ou a aniquilação daquela que não lhes servia. E tudo isto estruturado numa complexa relação com a morte e a sua inevitabilidade naquele extremo contexto de guerra. O alcance psicológico do objectivo supremo para os que combatem só se começa a desenhar, no decurso da narrativa, quando a companhia chega finalmente à Alemanha e descobre o primeiro campo de concentração. Why we figth desempenha aí claramente um papel de reforço na motivação dos soldados. No entanto, nos mais de 400 dias que ficaram para trás, vividos em situações limites e com baixas humanas diárias, os objectivos só foram atingidos porque a LIDERANÇA claramente cimentou os fios da teia.
Currahee reflecte, assim, todos os patamares dessa liderança e representa igualmente um dos símbolos mais marcantes da arte de bem conduzir Homens…negócios, destinos ou Nações. Na sucessão dos personagens que vamos encontrando ao longo da série conseguimos tipificar todos os tipos de líder, mesmo aqueles que, em dada altura, ultrapassam um nível de exigência e redundam em fracasso quando confrontados com novos contextos ou realidades. Do exemplo de oficiais como Sobel, por um lado, e Winters, Buck Compton, Speirs ou Lewis Nixon, por outro, definimos um conjunto de características intrínsecas de liderança das quais resulta logo uma primeira evidência inabalável: o líder não se fabrica. A liderança é uma aptidão humana, que pode emergir em resultado de um ciclo de oportunidades, mas está ou sempre esteve na esfera do indivíduo (leia-se líder). Ela evolui, matura-se, trabalha-se, mas não pode ser imputada como um corpo estranho a quem não nasceu para liderar.
Aliás, um dos casos mais emblemáticos de liderança retratados em Band of Brothers é o percurso de Carwood Lipton, que serviu na companhia desde soldado até à sua promoção a oficial e se tornou num dos pilares fundamentais de coesão do grupo, principalmente quando o seu superior hierárquico falhou. Lipton acabou precisamente por ver reconhecido o seu mérito nessa promoção a oficial, já praticamente no fim do conflito, e revela-nos um quadro de análise profundo da evolução dos princípios fundamentais de liderança consoante as necessidades contextuais, quer a nível de enquadramento social, quer a nível de enquadramento hierárquico na organização, quer na forte adaptabilidade da sua acção psicológica no evoluir do quadro das operações em que com os seus homens estava envolvido.
Retomando as características intrínsecas da liderança, que na teia de relações complexas desenvolvida nos dez episódios da série nos é apresentada, resultam então três pilares fundamentais na arquitectura do líder:
Experiência – O líder não se assume como uma autoridade na matéria, mas absorve essa experiência na esfera de lhe permitir lidar com as situações, em ambientes de maior ou menos pressão, transmitindo um sentimento de segurança. Diminui o factor risco nas equipas, optimizando a sua acção na orientação do objectivo que está definido; (Exemplo de Major Winters)
Humildade: A liderança é implicitamente reconhecida sem necessidade de ser apregoada. A perca de sinergias no exercício de autoridade ou demonstrações de Poder é anulada (Ver a conduta do Tenente Buck Compton)
Retorno: A liderança retorna ao líder ou o líder encontra sempre uma forma de liderança, independentemente das conjunturas, dos actores, dos contextos (Caso de Carwood Lipton).
Quando, num dos testemunhos vivos apresentados, um dos homens da Companhia Easy relata o conteúdo de uma carta que tinha recentemente recebido de um dos seus companheiros, em que este descrevia o diálogo curioso que tinha com o seu neto com quando este lhe perguntou “Avó fostes um herói na Guerra”, ao que o Avó respondeu “não não fui, mas servi numa companhia de heróis”, cai finalmente por terra o mito dos falsos lideres que povoam este mundo, na política, na economia, nas empresas, onde quer que seja.
O líder não é um herói. Não encerra carga simbólica. A carga simbólica está no grupo. As acções do líder, as histórias que correm à sua volta não são percebidos como traços de coragem ou actos bravura, no sentido mais lato do termo, embora possam assumir essa dimensão na sua projecção para a esfera exterior (ao grupo, à organização). São sempre interpretadas na lógica da eficácia para a prossecução dos objectivos que estão destinados. O líder, como o Tenente Speirs em Band of Brothers é o primeiro elo na base desse fundamental sentimento de pertença.
Para os homens da Companhia Easy, Currahee foi o símbolo alicerçado nessa presença mantida coesa por uma Liderança forte e bem estruturada. Para nós, Currahee poderá certamente ser um grande compêndio sobre “essa arte de gerir homens no seio das organizações”. Não temos a colina, mas pudemos aprender muito a ver o filme.
Crônicas da Frontline

1 de agosto de 2008

Uma pergunta no ar

O desfecho que alguns (muitos?) queriam, outros desejavam e ainda os outros temiam acabou inevitavelmente por acontecer, o arquivamento do caso Maddie. Mas, prolongando o seu traço mais característico revelado ao longo destes 14 meses, não se encerrou a controvérsia. Não nos interessa aqui debater a natureza jurídica ou tramitação de investigação criminal do desaparecimento da criança. Já tinha escrito no Oje que um dos aspectos que mais ressaltou à vista em todo este processo e que teve inegavelmente consequências no rumo da sua investigação foi a total inabilidade e incapacidade da Polícia Judiciária em gerir a espiral de comunicação e a pressão a que os Media sujeitaram o caso.
Mas esta constatação leva-nos, por oposição contrastante, a descobrir outra evidência, ou seja, a total habilidade do casal McCann neste domínio. No entanto, o que ressalta de preocupante nesta matéria não é essa capacidade, aliás com provas dadas como seria de esperar com a contratação de Clarence Mitchell, Porta-voz e ex-assessor do primeiro-ministro britânico, mas sim o porquê da sua necessidade.
Esta continua a ser a resposta de um milhão de dólares. Quem, por via da regra, trabalha em ambientes de gestão de comunicação de crise, rapidamente encontrou na estratégia do casal um fio condutor de cumprimento estrito dos parâmetros e regras de actuação em situações extremas desta natureza. Mas porque razão tiveram os McCann de adoptar uma gestão de comunicação deste tipo em todo este processo? A tal ponto que, a dado passo, esta passou a ser percebida como a sua actuação prioritária, quase relegando a procura da filha para um segundo plano, para uma segunda prioridade.
Quem é pai certamente não se revê neste comportamento. Quem é especialista nesta área, não encontra razões válidas num cenário normal de procura de uma filha desaparecida para se adoptarem estas estratégias. A pergunta continua a ser: Porque não se limitaram os McCann a procurar a filha? A resposta a todo o enigma poderá estar aí…
Crônicas do OJE