11 de agosto de 2008

Currahee ou uma lição de Liderança






Band of Brothers é uma soberba lição de história e talvez um dos mais marcantes documentos fílmicos sobre a II Guerra Mundial. Mas é simultaneamente um magistral tratado doutrinário sobre Liderança. Seis décadas volvidas valeria a pena que muitas empresas portuguesas oferecessem a serie produzida por Steven Spileberg e Tom Hanks aos seus executivos, em vez de andarem a desperdiçar dinheiro em coachings ou outras acções dispersas.

“Um bom líder tem de compreender os seus subordinados, tem de compreender as suas necessidades, os seus anseios e a sua forma de pensar…ele saltava para o desconhecido. Nunca punha a hipótese de não ir à frente ou mandar alguém no lugar dele. Não sei como sobreviveu, mas sobreviveu”. Este é o relato verdadeiro de um dos sobreviventes da Companhia Easy, da 101ª Divisão Aerotransportada dos Estados Unidos, que foi largada atrás das linhas inimigas a 6 de Junho de 1944,o dia D, ao falar sobre o seu comandante Richard Winters.
A Easy, tornou-se uma mítica força de combate na II Guerra Mundial, desde que abandonou a sua base em Camp Toccoa com destino a Normandia, até à tomada do Ninho da Águia de Hitler, nos Alpes em Berchtesgaden. A tale of ordinary men who did extraordinary things foi o mote de Spilberg e Hanks para produzirem a série televisiva Band of Brothers que relata a história da Companhia Easy e dos seus homens, baseada no livro de Stephen Ambrose e nos testemunhos dos seus sobreviventes, que aparecem retratados na série em entrevistas e depoimentos.
Mas Band of Brothers não é só talvez um dos mais marcantes documentos fílmicos sobre a II Guerra Mundial. Analisado noutra perspectiva, oferece-nos um magistral tratado doutrinário sobre A LIDERANÇA e não sobre liderança. Mais curioso quando percebemos que passaram mais de 60 anos e o paradigma retratado não mudou. Mais preocupante quando percebemos que esta ainda é uma realidade distante em Portugal.
Nessa mesma perspectiva, Currahee, a tortuosa colina adjacente à base de treino dos pára-quedistas, em Camp Toccoa – three miles up, three miles down – encerra uma dupla carga simbólica: construiu e cimentou o sentimento de pertença do grupo e tornou-se, em simultâneo, o símbolo dos homens do Regimento e da Companhia Easy. Porquê? Porque fica muito claro da lição que se retira da Easy que a sua eficácia em combate, resultou de uma poderosa combinação de fortes lideranças a todos os níveis na escala da organização. Uma liderança afirmada em condições limite, quando se definem patamares de objectivos, mas cujo limite inferior desses mesmos objectivos significa sempre perdas e, neste caso, de vidas humanas. É curioso de observar como a teia de progressão psicológica de todos os soldados da companhia reflecte sempre nas suas acções a preservação da boa liderança ou a aniquilação daquela que não lhes servia. E tudo isto estruturado numa complexa relação com a morte e a sua inevitabilidade naquele extremo contexto de guerra. O alcance psicológico do objectivo supremo para os que combatem só se começa a desenhar, no decurso da narrativa, quando a companhia chega finalmente à Alemanha e descobre o primeiro campo de concentração. Why we figth desempenha aí claramente um papel de reforço na motivação dos soldados. No entanto, nos mais de 400 dias que ficaram para trás, vividos em situações limites e com baixas humanas diárias, os objectivos só foram atingidos porque a LIDERANÇA claramente cimentou os fios da teia.
Currahee reflecte, assim, todos os patamares dessa liderança e representa igualmente um dos símbolos mais marcantes da arte de bem conduzir Homens…negócios, destinos ou Nações. Na sucessão dos personagens que vamos encontrando ao longo da série conseguimos tipificar todos os tipos de líder, mesmo aqueles que, em dada altura, ultrapassam um nível de exigência e redundam em fracasso quando confrontados com novos contextos ou realidades. Do exemplo de oficiais como Sobel, por um lado, e Winters, Buck Compton, Speirs ou Lewis Nixon, por outro, definimos um conjunto de características intrínsecas de liderança das quais resulta logo uma primeira evidência inabalável: o líder não se fabrica. A liderança é uma aptidão humana, que pode emergir em resultado de um ciclo de oportunidades, mas está ou sempre esteve na esfera do indivíduo (leia-se líder). Ela evolui, matura-se, trabalha-se, mas não pode ser imputada como um corpo estranho a quem não nasceu para liderar.
Aliás, um dos casos mais emblemáticos de liderança retratados em Band of Brothers é o percurso de Carwood Lipton, que serviu na companhia desde soldado até à sua promoção a oficial e se tornou num dos pilares fundamentais de coesão do grupo, principalmente quando o seu superior hierárquico falhou. Lipton acabou precisamente por ver reconhecido o seu mérito nessa promoção a oficial, já praticamente no fim do conflito, e revela-nos um quadro de análise profundo da evolução dos princípios fundamentais de liderança consoante as necessidades contextuais, quer a nível de enquadramento social, quer a nível de enquadramento hierárquico na organização, quer na forte adaptabilidade da sua acção psicológica no evoluir do quadro das operações em que com os seus homens estava envolvido.
Retomando as características intrínsecas da liderança, que na teia de relações complexas desenvolvida nos dez episódios da série nos é apresentada, resultam então três pilares fundamentais na arquitectura do líder:
Experiência – O líder não se assume como uma autoridade na matéria, mas absorve essa experiência na esfera de lhe permitir lidar com as situações, em ambientes de maior ou menos pressão, transmitindo um sentimento de segurança. Diminui o factor risco nas equipas, optimizando a sua acção na orientação do objectivo que está definido; (Exemplo de Major Winters)
Humildade: A liderança é implicitamente reconhecida sem necessidade de ser apregoada. A perca de sinergias no exercício de autoridade ou demonstrações de Poder é anulada (Ver a conduta do Tenente Buck Compton)
Retorno: A liderança retorna ao líder ou o líder encontra sempre uma forma de liderança, independentemente das conjunturas, dos actores, dos contextos (Caso de Carwood Lipton).
Quando, num dos testemunhos vivos apresentados, um dos homens da Companhia Easy relata o conteúdo de uma carta que tinha recentemente recebido de um dos seus companheiros, em que este descrevia o diálogo curioso que tinha com o seu neto com quando este lhe perguntou “Avó fostes um herói na Guerra”, ao que o Avó respondeu “não não fui, mas servi numa companhia de heróis”, cai finalmente por terra o mito dos falsos lideres que povoam este mundo, na política, na economia, nas empresas, onde quer que seja.
O líder não é um herói. Não encerra carga simbólica. A carga simbólica está no grupo. As acções do líder, as histórias que correm à sua volta não são percebidos como traços de coragem ou actos bravura, no sentido mais lato do termo, embora possam assumir essa dimensão na sua projecção para a esfera exterior (ao grupo, à organização). São sempre interpretadas na lógica da eficácia para a prossecução dos objectivos que estão destinados. O líder, como o Tenente Speirs em Band of Brothers é o primeiro elo na base desse fundamental sentimento de pertença.
Para os homens da Companhia Easy, Currahee foi o símbolo alicerçado nessa presença mantida coesa por uma Liderança forte e bem estruturada. Para nós, Currahee poderá certamente ser um grande compêndio sobre “essa arte de gerir homens no seio das organizações”. Não temos a colina, mas pudemos aprender muito a ver o filme.
Crônicas da Frontline

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