10 de julho de 2008

Má sorte ter nascido p…!


“E a roda deste fado

só não a teme quem a encara

e os que ainda andam na mó de cima

têm que saber que a roda não pára

e fatalmente o fim se aproxima

a vida não pára”
(Fado do Kilas, Sérgio Godinho)


Corre o tempo neste pacato quinhão nacional e, cada vez mais, me vem à memória uma extravagante cena protagonizada pela Pepsi Rita (aliás Lia Gama), quando afirmava “má sorte ter nascido puta” no imortalizado filme “Kilas o Mau da Fita”, de José Fonseca e Costa. Perdoem-me a expressão, mas daquele longínquo ano de 1981 sempre retive aquela mágoa da afirmação da “sorte”, da sorte que lhe ditou o destino. Apenas a sorte, nada mais.
E, de facto, a sorte é um conceito inexplicável, quando de sorte se trata. Desde novo que pautei a minha vida por alguns princípios intocáveis, mas uma máxima sempre ocupou um lugar de destaque neste longo percurso da adolescência à idade adulta: “A sorte é aquilo com que os medíocres tentam explicar os feitos dos génios”.
E esta realidade hoje é abrupta. Não somos um país de génios, somos, de facto, um País de medíocres. E onde nos leva essa mediocridade? Entre outras coisas e causas a uma redefinição daquele velho conceito dos “corredores do Poder” e ao emergir de toda uma panóplia de formas mesquinhas e corruptas do exercer.
É o poder dos pequenos grupos, que não se manifestam, mas comunicam. É o poder mesquinho dentro das organizações, da desinformação, dos lapsos, dos rumores. É o poder daqueles que controlam e manipulam a informação, não com base nos factos, mas sim nas motivações.
É o desfile quotidiano do muito que assistimos hoje em dia na Televisão, na Rádio, na Imprensa, na rua, na empresa, na associação. Nem George Orwel ousou ir tão longe na feliz combinação do Animal Farm com o Big Brother (is watching you).
Precisamos assim urgentemente de uma nova classe de génios, os pequenos génios, os que ousem romper esta teia de percepções controladas, de manipulação. Muito deste contributo já tem sido dado na emergência e afirmação de muitos e novos fenómenos, mas todos prontamente apelidados de marginais – e cito apenas a título de exemplo os blogues – por que ousam escapar e efectivamente escapavam a esta teia de controlo.
Falta agora romper as teias organizacionais. É verdade que o exercício deste (pequeno) poder discricionário, per si, não vinga, mas estruturado na teia, no feudo, é uma malha proteccionista quase impenetrável. Se o seu exercício, na forma e não na essência - por que essa normalmente não existe - é revelador do carácter de quem o exerce, então de facto somos uma País que cultiva descaradamente a mediocridade. Para estes nunca o “Fado do Kilas” foi tão actual.
E talvez Kilas, afinal, não fosse o mau da fita.

Crônicas da Frontline

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