30 de abril de 2008

Vulnerabilidades funcionais

Assunto obscuro desde os mais simples fóruns aos grandes debates sobre Relações Públicas e Comunicação são as relações funcionais entre os diversos agentes e protagonistas deste universo. Na realidade, felizmente temos vindo nestes últimos anos a assistir a uma sistemática estruturação de “corpo de saber” no que respeita às matérias comunicacionais, mas infelizmente muito pouco se tem falado sobre as relações funcionais. Excluindo aqui os Media, um olhar mais atento e crítico sobre esta matéria no que respeita a instituições, responsáveis de comunicação e consultores de comunicação pode revelar-nos um panorama devastador. Porquê? Porque, salvo raras excepções, todos interpretam papéis que não lhes estão destinados, corrompendo a essência da sua actuação.
Já o escrevi mas repetirei até à exaustão. Uma das entre muitas razões profundas que legitimaram este “estado de coisas” foi e é da exclusiva responsabilidade dos profissionais de comunicação. Porque, na voragem actual de que tudo é comunicável (sendo esta a verdade apreendida ao longo da última década pelas estruturas económicas, políticas ou empresariais deste país) o nível mais básico da decisão em comunicação – o que se comunica e não como se comunica – foi deixado ao critério de quem não estava naturalmente preparado para gerir esses domínios. Pior ainda quando a fragmentação de Poder dentro das organizações estilhaça toda a política de comunicação se é que ela existe.
Os profissionais de comunicação muitas vezes são obrigados sucumbir a esta lógica perversa. E fazem-no com culpa, mas também porque são alimentados pela perseverança de que o tempo acabará por corrigir assimetrias. Mas isso só depende se forem efectivamente capazes de mostrar resultados, por face dos não resultados, que muitas vezes lhe são impostos na sua esfera de actuação.
Crônicas do OJE

10 de abril de 2008

Life’s Short. Get a Divorce


Poderosas máquinas de marketing e comunicação estão hoje nos bastidores da advocacia norte-americana e regem um universo de milhões e milhões de dólares com uma maturidade invejável. Não é uma visão mercantilista da Justiça, mas sim as exigências de um mercado altamente competitivo. Se a Europa tende a acompanhar as tendências, em Portugal o fosso é ainda abissal.

Quando em Maio de 2007, a sociedade de Advogados Fetman, Garland & Associates lançou a campanha publicitária “Life’s Short. Get a Divorce” – apoiada em outdoors que mostravam duas imagens de um homem e de uma mulher com grande carga sexual – a polémica atingiu os mais altos níveis da sociedade americana. As pressões políticas levaram mesmo à retirada da campanha das ruas de Chicago. Mas hoje, mesmo os mais críticos reconhecem a mestria de Corri Fetman, a advogada especialista em Direito da Família, que ousou ir mais longe e conseguiu uma cobertura mediática e um nível de notoriedade que calou tudo e todos. A tal ponto que Corri tem inclusivamente uma coluna jurídica na Revista Playboy.
Mas o que a campanha da Fetman, Garland & Associates acabou por revelar foi o elevado grau de maturidade do mercado dos serviços legais nos Estados Unidos. De facto, se existe traço claramente distintivo que caracteriza o panorama jurídico norte-americano, mesmo num mundo cada vez mais global que quer até caminhar para um Direito Universal, esse traço é a poderosa máquina de marketing que está por detrás das sociedades de advogados. O denominado Legal Marketing não é só um negócio de milhões, é todo um corpo conceptual de saber que hoje rege os negócios da advocacia em mercados altamente competitivos. O mundo da advocacia transporta-se assim para os meandros das lógicas de mercado, gerindo reputação, trabalhando Branding, Posicionamento, usando as Relações Públicas e a Publicidade como elementos fundamentais à sustentabilidade do negócio no qual assenta o exercício da sua profissão.
Não é uma visão mercantilista da advocacia, é sim a realidade imposta por um mercado que hoje é altamente sofisticado e competitivo. E se os americanos cedo perceberam a lição, a Europa rapidamente lhes tentou apanhar o passo. O Reino Unido não é excepção e mesmo a nossa vizinha Espanha já conheceu avanços significativos nesta matéria. No entanto, não deixa de ser curioso olhar para o fosso que ainda separa estas duas realidades. Enquanto os advogados do velho continente ainda estão reféns dos fundamentais do marketing, os americanos escalaram já um nível no debate de ideias, ou seja, actualmente uma das preocupações críticas das suas grandes sociedades de advogados é, por exemplo, como inter-relacionar o marketing da firma com o marketing individual do próprio advogado.
“Market the Firm or Market the Attorneys? Acaba por nos conduzir um debate centrado numa entre muitas outras questões críticas que estão a confrontar o mundo da advocacia com novos paradigmas face a uma cada vez maior necessidade de desenvolvimento sustentado do negócio no mercado dos serviços jurídicos. É o caso do confronto com disciplinas como a Gestão da Informação quando, na realidade, existe já uma clara percepção de que o Marketing, per si, não chega para estabelecer uma diferenciação verdadeiramente competitiva e alavancar novos negócios. Parece-nos óbvio que o caminho passa pelo cruzamento de toda a informação dentro das sociedades de advogados, a financeira, a comercial, a de marketing… Mas isso obriga também a um profunda mudança, não só funcional, mas sobretudo cultural no universo da advocacia. O mercado anglo-saxónico já respondeu a esta mudança e hoje, nas grandes firmas, é comum encontrarmos o CEO (Chief Executive Officer), o CFO (Chief Financial Officer) e até o CMO (Chief Marketing Officer), libertando os advogados para o que bem sabem fazer no exercício da sua actividade jurídica.
Curioso é também o facto de que acabam por ser estes novos paradigmas – numa contradição assim se esgotar no plano formal – que acabam por expandir as possibilidades desse mesmo Marketing, quer através da introdução das novas tecnologias de informação, quer porque as sociedades de advogados começaram a incorporar novas responsabilidades, como o próprio desenvolvimento do negócio, o planeamento estratégico, o recrutamento, a gestão dos recursos humanos, entre outras, debaixo de velho e grande “guarda-chuva” a que continuamos a chamar Marketing.
Se olharmos para as 100 maiores sociedades de advogados norte-americanas, os números revelam que, nos últimos anos, o negócio da advocacia tem crescido a uma média de 10% ao ano, enquanto os investimentos de marketing a um ritmo bastante superior, na ordem dos 30% ao ano. Aliás, os números sempre foram impressionantes. Basta rever alguns estudos da FGI e da Greenfield/Belser, comparando dados de 1991 a 1999 no universo das 1000 maiores sociedades de advogados norte-americanas, para retermos algumas elucidativas conclusões:
O investimento médio em marketing passou, em oito anos, de 1233 dólares por advogado para 9135 dólares por advogado, um crescimento de 746%;
Em 1991, apenas 56% das sociedades tinham alguém responsável pela área do marketing. Em 1999, 93% das sociedades tinham equipas de marketing;
Apesar de nos Estados Unidos a publicidade no universo jurídico só ter sido permitida a partir de 1978, em 1991 apenas um terço das sociedades existentes colocava alguns anúncios (basicamente rodapés) em publicações especializadas. Em 1999, 85% das sociedades recorriam à publicidade de uma forma regular.
Se acreditarmos nas lógicas de mercado, nos benefícios da concorrência, com a salvaguarda dos necessários mecanismos de regulação, então a Justiça americana permite que se afirmem os melhores entre os melhores. A Europa, também ela, nesta lógica de oferta e procura de serviços jurídicos, caminha neste sentido. Para Portugal, o fosso é ainda muito profundo. Talvez porque o peso de influência dos advogados seja ainda o principal factor de inibição de um mercado verdadeiramente competitivo nos serviços legais. Logo, o marketing continua incipiente. Tudo acaba por se resumir a uma aposta nas relações com a Comunicação Social, projectando não os serviços ou as sociedades mas os apenas os protagonistas. Sejam advogados, advogados deputados, ou advogados outra coisa qualquer. Poucas são as sociedades que têm uma verdadeira visão empresarial neste domínio. E essas, regra geral, são as de expressão internacional.

Crônicas da Frontline

Are you talking to me?

Hoje, a fórmula política mais recorrente para se falar de Portugal é, sensu lato, o atraso estrutural do país. Ninguém escapa ileso à “bolha comunicacional” que, a este nível, contamina o nosso quotidiano. E apesar da carga política, os protagonistas são oriundos de todos os quadrantes da sociedade, de todos os credos, de todo o espectro social e cultural. Mas é nesta estranha (ou talvez não) dinâmica que reside a sua face mais obscura, de ela própria no seu devir esconder uma realidade bem mais preocupante: a do atraso estrutural ser efectivamente, na sua génese, nada mais que um profundo abismo cultural que se apoderou deste canto lusitano.
Vem isto a propósito desta bolha comunicacional, desta ânsia que se instalou em todos nós de comunicar, independente do que se comunica ou mesmo da pertinente necessidade de o fazer. E esta voracidade, como o napalm, queima tudo, mas veio sobretudo criar um conjunto de novos mas perigosos paradigmas que invertem toda a lógica da Galáxia de Guttenberg.
Are you talking to me? Será talvez a única pergunta racional numa sociedade desagregada e desestruturada do ponto de vista comunicacional, quer nos seus actores, quer nos seus valores, e compelida apenas por uma lógica mecanicista de atingir alvos e públicos a qualquer custo, em qualquer lugar.
Razões são muitas, mas uma enferma logo na base. Se olharmos para Portugal percebemos que, no seu movimento anacrónico no tempo, só há muitos poucos anos o país despertou para todas as novas envolventes comunicacionais, que já conduziam uma Europa mais desenvolvida para a realidade da sociedade da informação. E este despertar começou naturalmente por atingir as áreas de maior competitividade nos domínios económicos e empresarias, até então excessivamente dominados pela oligarquia do marketing e afins, agora incapazes de dar resposta a novas necessidades do ponto de vista Corporativo, Institucional, da Responsabilidade Social, da própria Gestão da Reputação.
Durante anos fomos assistindo ao cimentar desta nova realidade, sobretudo com os tecidos económicos e empresariais a reequacionarem as suas orgânicas internas e estruturas de Poder, enquanto um número, embora ainda ínfimo, de profissionais de comunicação começava finalmente a ter o seu espaço de actuação.
Mas foi precisamente aqui que o processo falhou. E falhou por duas razões de natureza estrutural: primeiro porque estes profissionais se limitaram e reduziram a um papel de interface, nomeadamente com os Media, e nunca foram envolvidos ao mais alto nível nos ciclos de decisão das estruturas; em segundo, e por esta anterior razão, porque nível mais básico da decisão em comunicação – o que se comunica e não como se comunica – foi deixado ao critério de quem não estava naturalmente preparado para gerir esses domínios.
E de repente o monstro tornou-se voraz, porque tudo é comunicável. Mas não só voraz, ganhou vida própria. Até os actores políticos sucumbiram a esta voracidade. Há muitas décadas atrás, um modelo semelhante teve sucesso a sustentar as mais hediondas ditaduras. Chamava-se Propaganda. Hoje só pode ter sucesso em sociedades estruturalmente (leia-se culturalmente) atrasadas.
A ameaça é real, mas, aos costumes, os protagonistas (gestores, políticos, empresários, consultores, jornalistas…) continuam a dizer nada. Poucas ainda são as vozes a exigir uma verdadeira revolução na Gestão da Comunicação.
Crônicas da Frontline