29 de setembro de 2008

As competências básicas e a lógica do óbvio


Outro dia recebi um telefonema inesperado da minha mulher que me trouxe à luz de uma forma que, até então, nunca tinha equacionado, algo que considero um dos problemas mais (saiba-se lá porquê) ignorados e que afectam seriamente a alegada competitividade (ou falta dela) dos portugueses.
Dizia-me a minha mulher ao telefone em tom já de desespero: “sabes enfiar a porcaria de uma folha na máquina de escrever Braille?”. Naturalmente respondi que não fazia a mínima ideia. Mas porquê? Ainda indaguei. A resposta foi surpreendente: “Vê bem a ironia. Estamos aqui na faculdade a preparar um trabalho para o mestrado, todas temos competências, não só para ler como para escrever correctamente em Braille, mas não conseguimos enfiar a porcaria da folha na máquina”.
A ilação a retirar deste episódio é simples. Na realidade, aquele grupo, por mais competências avançadas que tivesse, não conseguia ultrapassar a falta de uma competência básica para atingirem um determinado objectivo. Neste caso, a colocação de uma simples folha de papel numa máquina. E porquê? Por duas razões que se opõem consoante os protagonistas deste episódio. Por um lado, na óptica do professor que sempre se preocupou (em ensinar) com tudo o que não era óbvio, ou seja, por exemplo, o colocar a folha na máquina. Na óptica dos alunos, porque o objectivo era adquirirem as competências avançadas programadas e nunca pensaram no mais óbvio: um dia talvez precisassem de colocar a folha na máquina. Até porque sempre que precisaram a folha já lá estava. Também é óbvio que, por força da arte e do engenho conseguiram ultrapassar a situação. Só que o custo foi elevado. Consumiu muitos mais recursos, materiais e humanos, mas sobretudo abalou um alicerce fundamental, o da segurança do indivíduo e do reconhecimento intrínseco das suas capacidades.
Este raciocínio leva-nos a uma conclusão que nos remete obviamente para a aceitação de um novo paradigma: As competências básicas são tudo o que não está para além do óbvio. Logo, as competências básicas não são conteúdos programados para aprendizagem. Não existe distinção entre estas e as outras competências, sejam básicas ou avançadas. Umas são naturalmente produto da aprendizagem programada; as outras são produto da experiência, mais concretamente do co-relacionamento das competências adquiridas do ponto de vista programável (na escola, na universidade, na formação profissional) com a vivência induzida pelo universo dessas experiências. E estas têm ainda um reflexo enorme sobre um dos aspectos mais relevantes no domínio humano, o da Liderança até porque inibem precisamente o estigma do fragilizar da segurança individual.
Um resultado não óbvio deste paradigma. Se um dia me pedissem para contratar quadros de elevado potencial para uma empresa colocava três critérios eliminatórios logo à partida: terem mais de 40 anos, pelo menos dez empregos anteriores em áreas diferenciadas, embora com um tronco comum e um elevado sentido de humor. Isto é obviamente o contrário dos que os especialistas em recursos humanos fazem hoje em dia. Logo, é óbvio que lhes falta qualquer coisa…


PS: a parte do sentido de humor explico mais tarde.


Crônicas da Frontline

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